ACADEMIA GOIANA DE MEDICINA

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O MÉDICO E O PACIENTE EM FASE TERMINAL DA VIDA

Na minha vida de profissional da medicina tenho tido a oportunidade de enfrentar uma variada gama de situações que envolvem o conflito existencial, porém, a mais dramática de todas elas é a constatação de que estamos lidando com um paciente em fase terminal da vida.
Não existe nada mais angustiante para o profissional que carrega o estigma de ser capaz de curar as doenças ou, pelo menos, prolongar ao máximo possível a vida, sentir que a sua arte atingiu o limite da capacidade e nada mais pode fazer.
Os pacientes, na maioria das vezes, costumam vislumbrar na figura do médico um super-homem capaz de resolver todos os seus problemas de saúde, inclusive seus conflitos emocionais, não aceitando, como resposta aos seus reclamos, a constatação da incapacidade miraculosa.
A medicina tem conseguido, ano após ano, prolongar cada vez mais a vida do homem, porém, existe um limite que escapa aos bons propósitos da ciência e do profissional, por mais que se utilize dos modernos e sofisticados recursos, quer sejam medicamentosos ou instrumentais, de diagnóstico e de tratamento.
A não aceitação deste limite muitas vezes provoca confronto e discussões, com quebra do elo de confiança que existia entre as partes; entendemos como natural esta situação, mesmo porque, seria inadmissível que qualquer
pessoa aceitasse, placidamente, que não existem mais recursos materiais capazes de reverter o quadro do seu ente querido.
É claro que esta situação não é a regra aqui no Brasil; felizmente, a maioria dos casos que atingem este plano inclinado, é sempre precedida por um bom ou mesmo ótimo relacionamento médico-paciente-familia.
Tenho observado que nos Estados Unidos da América do Norte as coisas não acontecem desta maneira; existe um grande distanciamento entre o médico, o paciente e a sua família; nossos colegas do norte nos informam que a principal razão deste distanciamento é a desconfiança mútua; os médicos estão acossados pelos constantes processos judiciais e o paciente envolvido pelo clima de desconfiança provocado, justamente, pelo afastamento do médico da sua cabeceira.
Se os médicos americanos não expõem, como é rotina para eles já na primeira consulta, todas as suas limitações (da medicina), correm o risco de serem processados por incúria profissional se a evolução não é a esperada ou desejada; como corolário desta premissa, procuram guardar distância do paciente e principalmente da sua família.
O médico americano jamais informa o número do seu telefone ao paciente! Não fazem o que fazemos aqui: “levamos nossos pacientes que estão internados para dormirem em nossas casas”.
Um estudo desenvolvido entre pacientes portadores de câncer de pulmão em fase avançada da doença e cirurgiões oncologistas do Hospital de Veteranos de Guerra dos EE. UU. e que foi publicado nos Archives of Internal Medicine, concluiu que estes facultativos raramente respondem aos reclamos dos seus pacientes com a necessária empatia.
Foi colocado um sistema de gravação de vozes nos consultórios, de modo a armazenar as discussões havidas, entre o médico assistente e o paciente; ao se analisarem vinte destas discussões, observou-se que houve 384 oportunidades para o doutor poder mostrar empatia para com o paciente, quando este, o paciente, afirmava, por exemplo: “estou com medo”, “este problema está acima das minhas forças” etc.
Por incrível que pareça, daquelas 384 oportunidades surgidas, o facultativo somente alongou a discussão com o paciente em 38 delas, nas demais, ele restringiu a dar respostas somente para as queixas concretas e não para as relacionadas com medos existenciais, tanto da vida como da morte.
Existem estudos mostrando, claramente, que naqueles casos em que o médico envolveu-se, psicologicamente falando, de maneira mais afetiva com paciente, estes encontros levam o paciente a entender melhor sua condição de paciente terminal, até mesmo aceitá-la, com menor ansiedade quanto às incertezas do futuro.
Por outro lado, penso que o estudo não levou muito em consideração a situação psicológica daquele que está do outro lado da mesa, ou seja, o médico assistente.
Há que se considerar o fato de que os médicos sentem-se, também, vulneráveis perante a situação de ter que discutir sobre a vida e a morte, especialmente nos casos em que a discussão está centrada em um individuo portador de câncer em fase adiantada da doença, coincidentemente, pertencente ao mesmo grupo etário que ele.
O que embala o sonho de todo pretendente ao curso de Medicina é o desejo de ajudar outras pessoas; a vida vai, independente da sua vontade, como ocorre com os médicos americanos, colocando obstáculos no caminho da consecução deste ideal.
Em situações como a que narramos acima, se durante aquelas entrevistas, em todas aquelas 384 oportunidades, fosse dito, simplesmente: “Eu sei que você está passando por um momento de grande dificuldade”, seria o suficiente para fazer o paciente sentir-se amparado, com a certeza de que seu médico assistente se preocupa com os rumos da sua vida.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

ACADEMIA GOIANA DE MEDICINA

sábado, 10 de outubro de 2009

A ÉTICA E MEUS ALUNOS DA FACULDADE DE MEDICINA

Durante os últimos quarenta anos tenho dedicado uma parte da minha vida ao relacionamento com os meus alunos; ao tentar fazer uma análise retrospectiva destes acontecimentos, fico surpreso ao perceber o quanto aprendi com estes jovens.

É relação diuturna; seus questionamentos diretos, ao contrário de me atemorizarem, obrigam-me a um exercício diário de maturação e sedimentação de conhecimentos.

Não sei se tenho conseguido enfrentar todos os desafios com o discernimento necessário; não sei se os meus interlocutores ficam convencidos com os meus argumentos; no que diz respeito aos meus auto-questionamentos, perduram muitas questões que não me satisfizeram.

Tenho a consciência tranqüila de que procurei ser honesto nos meus posicionamentos, definindo, com clareza, os limites dos meus conhecimentos; quantas vezes eu tenho respondido a questões, aparentemente simples, com um sonoro não sei!

A busca da verdade procurada pelos meus jovens interlocutores é sempre acompanhada, também, pela minha procura, atualização nos compêndios.

O jovem não tem compromissos definitivos com pessoas ou mesmo com Instituições; seu pensamento é livre como o pássaro que desafia a imensidão do espaço e voa guiado, no caso da ave, pelo instinto de conservação, no caso do jovem pela procura do saber.

A honestidade deste relacionamento irá definir a firmeza do entendimento!

Uma das coisas mais difíceis no relacionamento humano é a transmissão de conhecimentos; à medida que os anos vão passando, sinto que adquiro, gradativamente, mais espontaneidade para o diálogo.

Às vezes sou surpreendido por atitudes, aparentemente, sem importância, mas que calam fundo no meu ego:

- o silêncio dos ouvintes!

Silêncio respeitoso e interessado, silêncio amigo, silêncio filial?

O monólogo nestes momentos transcende as raias do lugar comum quando o assunto que está sendo discutido é a ética médica.

Tenho procurado, por ações e realizações, demonstrar e, por conseqüência, transmitir aos meus alunos, um profundo respeito ao doente.

Nas nossas “visitas” às enfermarias do Hospital das Clínicas, a singeleza do paciente estirado no leito é levada em conta às ultimas conseqüências.

O respeito à figura humana, geralmente pessoas humildes e sem cultura, adquire matizes transcendentais; faço lembrar que por trás daquela figura humana ali colocada à nossa mercê, existe sempre uma retaguarda sentimental e pessoal que precisa ser levada em consideração.

É um pai, um filho, uma esposa ou irmão que, à distância, estão ligados por laços indestrutíveis àquele ser.

O estudante precisa aprender, ainda nos tempos de Escola, que há necessidade de se nominar aquela criatura, olvidar que este é apenas “mais um caso interessante”, de que aquele outro “é o paciente do leito 15 ou 20”.

Tratar este nosso semelhante com todas as forças do nosso sentimento afetivo faz bem ao nosso espírito e aproxima-nos do individuo; como resultado, qualquer tratamento que propusermos será, realmente, mais efetivo.

O jovem, algumas vezes, se esquece que também irá cumprir o ciclo biológico da vida e chegará um dia que o passado e, por conseqüência, a juventude, ficará para trás; enquanto isto não acontece, deve se lembrar de tratar com respeito o colega mais velho de profissão.

A medicina, por não ser uma ciência exata permite, algumas vezes, interpretação de fenômenos biológicos sob várias ópticas; deve-se evitar a tentação de se acharem os donos da verdade!

O tempo matura o orgulho e define a personalidade; em medicina o que é certo hoje, provavelmente não foi ontem e mais provavelmente ainda, não será amanhã.

É necessário aceitar nossas limitações, que em ultima análise é a constatação de que há varias verdades e procurar aprender nos possíveis erros dos outros; no futuro iremos aprender com os nossos próprios erros; assumir esta inevitável ocorrência exige, muitas vezes, uma verdadeira catarse.

Caminhar confiante no futuro, esperançoso no porvir de realizações; ser feliz depende, muitas vezes, exclusivamente do móvel que nos guia.

Não há profissão como a nossa, se nos realizamos com a mesma, não conheço outra definição de felicidade!